quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A ditadura militar e as tentativas de afastar Jackson Barreto da vida pública

Jorge Carvalho [*]

Na década de 70 do século XX, por mais de uma vez, a ditadura militar, através dos seus operadores civis e uniformizados em Sergipe, e dos seus dirigentes nacionais, buscou mecanismos que possibilitassem o afastamento do então jovem líder Jackson Barreto do exercício do mandato parlamentar. Certamente, um dos momentos de maior tensão resultou das consequências da Operação Cajueiro, desencadeada em fevereiro de 1976, indiciando Jackson como incurso no Artigo 43 da temida Lei de Segurança Nacional.

É importante que se registre não ter sido aquela a primeira forte ameaça feita à carreira política de Jackson Barreto. Sob o Governo Médici, durante a campanha eleitoral de 1970, a repressão policial levou à prisão alguns militantes do Partido Comunista na clandestinidade, filiados ao MDB, como Jackson, João Teles de Menezes e Artemísio Cardoso Rezende. 

A perseguição teve início depois que - numa reunião na residência do advogado Wellington Paixão, com algumas lideranças ligadas ao Governo - os comunistas informaram que não votariam no empresário Augusto Franco para o Senado. Eram duas as cadeiras em disputa e alguns setores defendiam que os militantes da oposição deveriam votar não apenas em Oviêdo Teixeira, candidato do MDB, mas também em Augusto Franco, candidato da Arena, para derrotar o ex-governador Lourival Baptista. 

As prisões ocorreram quando faltavam apenas duas semanas para o pleito. Eles ficaram no prédio da Polícia Federal, na Rua Capela e, posteriormente, foram transferidos para o Quartel da Polícia Militar, na Itabaiana. José Carlos Teixeira, líder do partido da oposição e candidato a deputado federal, foi então ao 28° BC e protestou diante do comandante, coronel João Neiva de Melo Távora. Ameaçou retirar o partido da competição eleitoral e cerca de três dias depois os presos foram liberados.

No exercício do seu mandato de vereador, entre 1972 e 1974, Jackson Barreto enfrentou perseguições políticas e respondeu inquérito no Exército, sob a acusação de práticas subversivas, sentindo necessidade de enfrentar os porta-vozes da ditadura. O clima ficou muito tenso na Câmara de Aracaju a partir de 1973, pela atuação de Jackson e do seu companheiro emedebista Jonas Amaral, ambos ligados ao PCB e eleitos no final do ano de 1972. 

A atuação parlamentar deles incomodava não apenas a elite política local ligada à Arena, mas, principalmente, os comandantes militares que atuavam em Sergipe. Jonas era já conhecido pela sua ação como vereador, desde 1971. Jackson, um quadro novo, que chamava a atenção de todos os grupos da política de Sergipe, mas atraía principalmente os olhares dos comandantes militares da ditadura.

Assim, não havia qualquer estranhamento no fato de os líderes da ditadura, em Sergipe, tentarem impedir, em 1978, o deputado estadual Jackson Barreto de disputar a cadeira de deputado federal, uma vez que estava submetido a processo na Auditoria da Sexta Região Militar, como consequência da Operação Cajueiro, que ocorrera em Aracaju, em fevereiro de 1976. O julgamento aconteceu no dia 16 de agosto de 1978, no Forte São Joaquim, em Salvador. No dia 15, o MDB divulgou a nota oficial "Contra as torturas e em solidariedade aos que vão a julgamento amanhã". A nota pedia liberdade para os 19 sergipanos acusados em tal processo. Outra vez, a repressão e o terrorismo de Estado ameaçavam uma candidatura de Jackson. 

A acusação estava sob a responsabilidade do procurador militar Kleber Coelho, enquanto os advogados Jaime Guimarães, Luiz Humberto Agle, Ronilda Noblat e Laete Fraga eram responsáveis pela defesa. O procurador militar pedia o enquadramento em penas que variavam entre dois e cinco anos de prisão, como inclusos no Artigo 43 da Lei de Segurança Nacional. Além de Jackson Barreto, figuravam no processo os nomes de Clarivaldo Lima, João Francisco Ocea, Edson Sales, Edgar Odilon Francisco dos Santos, Antonio Bitencourt, Virgílio de Oliveira, Asclepíades José dos Santos, José Soares dos Santos, Luiz Mário dos Santos, Pedro Hilário dos Santos, Marcélio Bonfim, Jackson Sá Figueiredo, Milton Coelho Carvalho, Delmo Naziazeno, Faustino Alves de Menezes, Antonio José Góes, Rosalvo Alexandre Lima e Francisco José dos Santos. 

Os 19 acusados divulgaram também um comunicado oficial: "Nós, os denunciados no processo a ser julgado no dia 16 de agosto na 6ª Circunscrição da Justiça Militar de Salvador, Bahia, vimos a público comunicar os fatos relacionados com esta ocorrência, para não deixar dúvida a respeito do nosso comportamento: 1) - Em fins de fevereiro de 1976, fomos sequestrados e mantidos em cárcere clandestino durante vários dias encapuzados, com cintas nos olhos, algemados, não tendo o comandante da unidade militar para onde fomos transferidos se responsabilizado por nossa prisão naqueles dias. 2) - Durante este mesmo período, fomos torturados exaustivamente, resultando na perda da visão de um dos detidos (Milton Coelho Carvalho) e deformações nos demais, a fim de declararmos e assinarmos depoimentos que não condiziam com a realidade dos fatos. 3) - Até o momento, nosso comportamento tem sido de expectativa, sem, no entanto, termos nos furtado a cumprir com nossas responsabilidades no trabalho e para com nossas famílias. 4) - Concluindo, reafirmamos nossa confiança na Justiça Militar, uma vez que a mesma negou o pedido de prisão preventiva por unanimidade, contra denunciados deste processo, numa demonstração de coerência e de respeito à Justiça e aos Direitos Humanos".

Todos foram absolvidos e Jackson Barreto conquistou o mandato de deputado federal, obtendo uma consagradora votação nas urnas.


[*] É doutor em Educação, professor da Universidade Federal de Sergipe e jornalista. 

Jackson Barreto e a Operação Cajueiro


Carlos Cauê


Hoje a Operação Cajueiro completa 37 anos. Não é motivo de celebração. É motivo, em vez disso, da mais completa execração possível. A última grande investida da ditadura militar instaurada em 1964 prendeu, torturou e processou algumas das mais importantes lideranças de esquerda sergipana, manchando para sempre a política e se tornando uma página obscura na nossa história.
A Operação Cajueiro entrou com destaque para a história por três grandes razões. A primeira foi a violência com que foi conduzida, impressionante até mesmo para os padrões já altos da ditadura. Lideranças importantes como Jackson de Sá Figueiredo, Marcélio Bonfim, Rosalvo Alexandre, Milton Coelho e Wellington Mangueira foram presas e torturadas. Milton Coelho, por exemplo, ficaria cego em decorrência das agressões.
A segunda é a sua extemporaneidade. Àquela altura, início de 1976, a maior parte dos movimentos de resistência tinha sido aniquilada pela ditadura militar. A abertura anunciada por Ernesto Geisel já começava a se mostrar, timidamente. O milagre brasileiro chegava ao fim, vitimado pela crise do petróleo, e a ditadura se via prestes a entrar em uma luta interna ferrenha pela sucessão de Geisel, que culminaria na demissão de Sylvio Frota e na indicação de João Figueiredo para presidente.
A última questão é simples: por que Sergipe? Justamente o menor Estado do país como palco de um dos mais violentos episódios da ditadura? Uma operação desse tipo faria mais sentido, pela lógica sórdida de um estado de exceção, em metrópoles como São Paulo ou Rio de Janeiro; a razão pela qual escolheram Sergipe, na época, era aparentemente inusitada.
Há reflexões que podem ser apontadas. Em grande parte do país, o crescimento da oposição, representada pelo brilhante desempenho eleitoral do MDB, em 1974, deixou os militares em polvorosa. Aqui, além de o fenômeno ter se repetido com notoriedade o MDB elegeu vários deputados e até mesmo um senador, Gilvan Rocha   a esquerda e o antigo PCB sempre foram muito bem organizados. Isso preocupava cada vez mais os militares, mas especialmente os donos dos poder local, que assistiam ao avanço de um movimento de renovação que eles pensavam haver extinguido em 64, com o golpe.
Não foi à toa que a malfadada Operação, que a tantos vitimou, parecia a todo o momento ter um alvo dileto: a liderança nascente de um jovem deputado estadual, Jackson Barreto, que da tribuna da Assembleia Legislativa fortalecia-se como uma das principais e mais ativas vozes na resistência à ditadura e na luta pela redemocratização do Brasil.
Por ser deputado e ter grande visibilidade, Jackson não chegou a ser preso na Operação Cajueiro. Mas o nível de perseguição que se seguiu foi significativo. Os militares sabiam que Jackson era um político bem relacionado com toda a esquerda e o movimento popular nacional. Arrancado da Assembleia, processado pela ditadura, Jackson foi acusado de, com seu salário de deputado, sustentar financeiramente o movimento de esquerda em Aracaju. O que se seguiu foram inúmeras sessões de interrogatórios e acareações.
Essa perseguição tinha um objetivo óbvio: tirá-lo da vida pública e impedi-lo de se candidatar a deputado federal em 1978. Defendido por Josaphat Marinho, advogado e senador baiano que se notabilizou na defesa de vítimas da ditadura, Jackson foi absolvido no processo que o regime militar moveu contra ele. Mesmo assim, o procurador militar recorreu: decididamente, não interessava à ditadura e às forças conservadoras locais ver Jackson Barreto livre.
Esse medo não era infundado: Jackson foi eleito deputado federal em 1978 como o mais votado em Aracaju e despontou a partir dali como a maior liderança popular da época.
Talvez seja por isso que recentemente, em visita a Sergipe, a presidenta Dilma Rousseff, ela também perseguida pelo regime militar, não tenha poupado menções e elogios a ele.
Dilma se referia ao Jackson Barreto de hoje, mas, sobretudo, àquele companheiro que, como ela, entrou na mira de uma das mais violentas ditaduras que o Brasil já conheceu ao lutar pela liberdade e pela democracia; ao companheiro que, como ela, teve a coragem e a garra necessárias para combater a injustiça e a ilegalidade.
Dilma Rousseff falava do político destemido, que não teve medo de enfrentar uma ditadura criminosa e violenta. Em Jackson, Dilma viu a sua imagem refletida no espelho; lembranças de um tempo em que as pessoas precisavam ter a ousadia de se levantar contra a opressão. Jackson Barreto, assim como Dilma Rousseff, foi uma delas.
Por isso mesmo, é difícil, hoje, pensar na democracia em Sergipe e no Brasil sem levar em consideração a figura deste homem, cuja combatividade deu uma significativa contribuição para a sua construção. Não apenas como parlamentar, ou no combate à ditadura. Mas, principalmente, na concretização dos ideais de justiça e igualdade de toda uma geração.